O ano no esporte paralímpico brasileiro marcou um período de consolidação e projeção internacional sem precedentes, iniciando o ciclo rumo aos Jogos Paralímpicos de Los Angeles em 2028. A temporada foi particularmente memorável pela performance histórica do país nos Campeonatos Mundiais de atletismo e judô, onde a delegação brasileira não apenas brilhou, mas também liderou o quadro de medalhas, um feito que ecoa a excelência e a dedicação dos atletas nacionais. Contudo, nem tudo foi celebração, já que o período também foi pontuado por tensões nos bastidores do tênis de mesa, envolvendo atletas e a Confederação Brasileira da modalidade em torno de exigências polêmicas sobre o programa Bolsa Atleta. Apesar dos desafios, o otimismo prevalece com o surgimento de novas promessas e conquistas em outras modalidades, como o esqui cross country, solidificando as esperanças brasileiras para os próximos grandes eventos internacionais.
Performance Inédita e Brilho Global nos Mundiais
Supremacia no Judô Paralímpico
O Campeonato Mundial de judô, realizado em maio na capital do Cazaquistão, Astana, testemunhou um desempenho notável do Brasil, que conquistou a liderança do quadro de medalhas de forma inédita. A delegação brasileira alcançou o pódio treze vezes, com cinco medalhas de ouro, solidificando sua posição como uma força global na modalidade. Entre os destaques, a paulista Alana Maldonado garantiu seu tricampeonato na categoria até 70 quilos (kg) da classe J2 (baixa visão), demonstrando uma consistência impressionante. O paraibano Wilians Araújo também fez história, conquistando o bicampeonato na categoria acima de 95 kg da classe J1 (cego total), reafirmando seu domínio. A competição ainda reservou um momento marcante com uma final 100% brasileira na categoria acima de 70 kg da classe J2, onde Rebeca Silva superou a também paulista Meg Emmerich em uma disputa acirrada. Os ouros inéditos da carioca Brenda Freitas na categoria até 70 kg e da potiguar Rosi Andrade na categoria até 52 kg, ambos na classe J1, complementaram a campanha dourada e histórica do judô paralímpico brasileiro.
Domínio Histórico no Atletismo Paralímpico
Em outubro, a seleção brasileira de atletismo fez história em Nova Déli, Índia, ao concluir o Campeonato Mundial na liderança do quadro de medalhas, superando potências como a China. Com um total de 15 ouros, 20 pratas e 9 bronzes, o Brasil alcançou o primeiro lugar, um feito extraordinário quebrando uma sequência de três vice-campeonatos nas edições anteriores. O feito é ainda mais significativo considerando que foi apenas a segunda vez na história da competição que a China não ocupou o topo do pódio. A grande estrela verde e amarela em solo indiano foi a acreana Jerusa Geber, que conquistou dois ouros, incluindo seu tetracampeonato nos 100 metros rasos da classe T11 (cego total). Com essas vitórias, Jerusa acumulou 13 pódios em Mundiais, sendo sete ouros, cinco pratas e um bronze, ultrapassando as 12 medalhas (oito ouros e quatro pratas) da lendária mineira Terezinha Guilhermina, que competia na mesma categoria, e cimentando seu legado no atletismo paralímpico mundial.
Diversidade de Talentos e Pódios em Outras Modalidades
Ciclismo e Canoagem: Ouros e Repetições de Feitos
A temporada paralímpica brasileira demonstrou sua força em diversas modalidades, com conquistas expressivas no ciclismo e na canoagem. No Mundial de canoagem, realizado em Milão, o sul-mato-grossense Fernando Rufino foi o único atleta brasileiro a conquistar a medalha de ouro, destacando-se nos 200 metros da classe VL2 (atletas que utilizam tronco e braços na remada). Essa vitória repetiu a dobradinha da final paralímpica dos Jogos de Paris 2024, com o paranaense Igor Tofalini em segundo lugar. Ao todo, o Brasil subiu ao pódio cinco vezes na Itália, evidenciando a profundidade do talento na canoagem. No ciclismo de estrada, o paulista Lauro Chaman brilhou no Mundial de Ronce, na Bélgica, em agosto, garantindo o tricampeonato da prova de resistência na classe C5 (deficiências moderadas de membros superiores). Já no ciclismo de pista, o Velódromo do Rio de Janeiro sediou o Mundial em outubro, onde a equipe brasileira conquistou nove medalhas, com destaque para o ouro e recorde da paulista Sabrina Custódia no contrarrelógio (1 km) da classe C2 (comprometimento físico-motor que não impede a utilização de uma bicicleta convencional).
Natação e Halterofilismo: Recordes e Conquistas Coletivas
A natação paralímpica brasileira também teve um desempenho robusto no Campeonato Mundial de Singapura, em setembro, onde a disputa pelo topo do quadro de medalhas foi acirrada. A Itália liderou com 18 ouros, mas o Brasil garantiu a sexta posição com 13 medalhas douradas e um total de 39 pódios. As grandes estrelas da competição foram o mineiro Gabriel Araújo, conhecido como Gabrielzinho, da classe S2 (a segunda de maior comprometimento físico-motor), e a pernambucana Carol Santiago, da S12 (baixa visão), ambos conquistando três ouros cada e reafirmando seu status de referências mundiais na modalidade. No halterofilismo, em outubro, a seleção feminina brasileira escreveu um capítulo de sucesso ao conquistar a medalha de ouro por equipes no Mundial do Cairo, Egito. O trio formado pela carioca Tayana Medeiros, a mineira Lara Lima e a paulista Mariana d’Andrea demonstrou força e união. Além do ouro por equipes, as atletas também alcançaram o pódio nas disputas individuais: Mariana e Tayana garantiram a prata nas categorias até 73 kg e 86 kg, respectivamente, enquanto Lara ficou com o bronze entre as atletas até 41 kg.
Tênis em Cadeira de Rodas e Promessas Futuras
O tênis em cadeira de rodas brasileiro também colheu resultados significativos, destacando-se na Copa do Mundo disputada em Antalya, Turquia, em maio. A seleção brasileira da classe quad (atletas com limitações em ao menos três membros) alcançou a final pela primeira vez na história, conquistando a medalha de prata após ser superada pela forte equipe da Holanda. Na categoria júnior, o Brasil demonstrou o potencial de sua nova geração, chegando à semifinal e finalizando em quarto lugar, com contribuições importantes dos mineiros Vitória Miranda e Luiz Calixto. Ambos os jovens talentos também brilharam nos Grand Slams, os eventos mais prestigiados da modalidade. Vitória Miranda foi campeã de simples e duplas femininas (ao lado da belga Luna Gryp) no Aberto da Austrália e em Roland Garros, na França, mostrando sua versatilidade e talento. Luiz Calixto, por sua vez, venceu o torneio de duplas masculinas em solo australiano, formando parceria com o norte-americano Charlie Cooper. Este foi o último ano de ambos na categoria júnior, apontando para um futuro promissor no circuito profissional. Abrindo a temporada, em fevereiro, o rondoniense Cristian Ribera tornou-se campeão mundial de esqui cross country em Trondheim, Noruega, na prova de sprint (um quilômetro), tornando-se uma esperança real de medalha para o Brasil na Paralimpíada de Inverno de Milão e Cortina, em março de 2026.
Desafios Administrativos e a Voz dos Atletas no Tênis de Mesa
Embora as conquistas esportivas tenham dominado as manchetes, o ano também trouxe à tona questões administrativas críticas, particularmente no tênis de mesa paralímpico. Apesar de o Campeonato Mundial da modalidade estar agendado apenas para 2026, a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM) se viu no centro de uma controvérsia em julho. Um grupo de nove atletas de alto rendimento, que juntos somam 16 medalhas paralímpicas, enviou um ofício formal ao Ministério do Esporte, expressando profunda insatisfação com as políticas da confederação. As reclamações incluíam a exigência de que os atletas investissem um percentual significativo de seu Bolsa-Pódio – a principal categoria do Bolsa Atleta, um subsídio crucial do Governo Federal – para custear suas próprias participações em campeonatos internacionais. O percentual variava entre 30% e 60% e, para que seus planos esportivos fossem aprovados pela entidade, os atletas deveriam contemplar no mínimo dez eventos fora do país, condição necessária para a liberação do benefício. Os mesatenistas pediram, entre outras ações, a intervenção na confederação, o reconhecimento da excelência baseada em resultados e não apenas na quantidade de eventos disputados, e a elaboração de um planejamento com “critérios técnicos objetivos”. Em resposta à manifestação dos atletas, o Ministério do Esporte informou que “não há previsão, no normativo vigente do Programa Bolsa Atleta”, para as exigências impostas pela CBTM. Diante da repercussão e da intervenção ministerial, a entidade acabou revogando a medida controversa. No entanto, o episódio deixou um racha persistente na relação entre os atletas e a confederação, ressaltando a importância da transparência e do diálogo para o bom funcionamento do esporte paralímpico brasileiro.
Uma Temporada de Legados e Perspectivas para o Ciclo Paralímpico
A temporada paralímpica do Brasil se encerra com um balanço amplamente positivo, marcado por recordes, liderança em Mundiais e a ascensão de novos talentos em diversas modalidades. O país demonstrou uma capacidade ímpar de superação e excelência, reafirmando seu lugar entre as maiores potências do esporte paralímpico global. As conquistas históricas no atletismo e judô, aliadas aos brilhos individuais e coletivos em outras disciplinas como ciclismo, natação, halterofilismo, canoagem e tênis em cadeira de rodas, pavimentam o caminho para um ciclo paralímpico de Los Angeles 2028 ainda mais promissor. Embora os desafios administrativos, como os enfrentados no tênis de mesa, evidenciem a necessidade de aprimorar a gestão e garantir o suporte adequado aos atletas, a força e a determinação dos esportistas brasileiros prevalecem como a maior inspiração. O otimismo para os próximos anos é palpável, com a certeza de que o Brasil continuará a ser um protagonista no cenário paralímpico mundial, impulsionado pela paixão, pelo talento e pela incessante busca por novos horizontes e medalhas.